O jantar estava quase pronto. Já tinha tempo que ele não recebia ninguém em sua casa. Aliás, já havia tempo que não aparecia ninguém em sua vida. Separado há mais 10 anos, tivera relações esporádicas com mulheres algumas que mal se lembrava o nome. Agora não com Vilma seria diferente.
Conheceu ela por um acaso, na fila do supermercado. Assim como ele, Vilma era uma mulher de meia idade. Mas bem conservada. Graças a ginástica e uma alimentação como ela mesmo dizia, bem regrada, não aparentava os quarenta anos que tantas mulheres fogem.
Já havia reparado nela nos congelados. Morena, alta, de calça legging e camiseta de banda de rock dos anos 70. Mesmo vestida de maneira displicente, como era conveniente em um supermercado, Vilma chamava mais a atenção que tantas outras mulheres naquela tarde de terça-feira.
Houve uma rápida troca de olhares. Mas ele não levou em consideração. Desde o divorcio não tinha mais interesse no flerte, paquera, azaração. Graças a deus o fim do casamento foi amigável. Não ficaram filhos, pois crianças eram algo desprezível na sua concepção. Via os problemas e tormentos que os sobrinhos, filhos de vizinhos e amigos traziam para a vida destes. Não queria responsabilidade.
Não procurava nem mesmo mulheres. Resolvia-se com trepadas eventuais com amigas, e prostitutas, que eram mesmo convenientes a forma mais fácil de resolver um problema biológico. Sexo era somente sexo. Não sentia até aquele momento a falta de carinho, dormir junto, dividir o banheiro, a cumplicidade das contas do mês nem a aporrinhação de decidir onde ir almoçar no domingo. As prostituas eram simplesmente uma prestação de serviço. Pagava, trepava, abria a porta e tchau.
Era uma vida enfim, perfeita. Sonho de macho da meia idade. Mas tinha que ir ao mercado naquela terça? Quando ela em uma conversa na fila do caixa falou o nome ele pensou que devia ser mais uma empregada doméstica. Vilma? Pensou que não dava para ser um nome de alguém estabelecido na vida.
Descobriu naqueles cinco minutos iniciais de conversa que era na verdade uma professora de história do colégio São Luiz na avenida Paulista. Começou a gostar do papo. Nem se incomodou com a aposentada que demorava na frente dos dois que ao passar os produtos no caixa ainda conversava com a menina. Também não ligou quando na vez do estudante a caixa teve que trocar o rolo de papel da máquina.
Vilma sabia ser agradável, tinha um perfume suave, mas não destes de loja, era um cheiro natural, de mulher mesmo, sem nada artificial. Ela passou suas compras, trocaram mais algumas palavras, e ele tomou coragem e finalmente trocou o telefone.
Passou a terça-feira, na quarta pouco antes de sair para assistir ao jogo de futebol em um bar com os amigos, resolveu ligar para Vilma. Primeiro toque, segundo toque, começou um barulho na casa do vizinho. Cachorro latindo, as crianças gritando e uma discussão entre o casal. Seria um aviso para não ligar? Uma breve visão condensada do que é a vida em família? Xingou um palavrão como forma de exorcizar aquela situação pegou o telefone e foi para o quarto onde a música da vida familiar não o atingiam.
Falou com a bela Vilma por meros dez minutos, mas marcaram de jantar juntos na quinta-feira. Gostou do papo com ela. Mas o principal gostou dela. Não era uma destas mulheres carentes que parecem ficar no pé ou desesperadas para sair. Ela não se lembrava nem do seu nome quando ele se apresentou no telefone.
No restaurante conversaram animadamente sobre cotidianidades, carreiras, casamentos desfeitos, vida enfim. Beijaram-se. Somente no carro ainda assim por que ele procurou, pois ela, não deu nenhuma abertura para tal. E por aí parou. Pediu para deixar em casa, pois tinha aula na manhã seguinte e nem havia preparado o material ainda. Mas marcaram de assistir um filme e comer um carneiro em sua casa no sábado a noite.
Comprou todos os ingredientes na sexta, marinou o carneiro, e no sábado no final da tarde botou para assar os carrês do animal. Por volta das sete horas fez a barba, tomou um banho, antes havia arrumado a casa para dar uma boa impressão. Já estava pronto quando a cena da quarta-feira começou a se repetir no vizinho. Aquilo iria estragar todo um clima. Não queria passar a impressão que morava em cortiço. Pois não era. O apartamento de classe média era confortável, mas tinha um defeito grande. Vazava muitos sons.
Ficou irritado, pois aquilo parece que seria uma daquelas longas brigas. Pegou o 38 e enfiou na cintura por debaixo da camisa. Colocou as duas luvas cirúrgicas e um agasalho de manga longa. Bateu na porta e quando o pai abriu enfiou a arma na cabeça e atirou. Fez o mesmo na mãe e nos dois filho. Ficou com pena do cachorro, mas meteu uma bala nele. A mãe ainda se mexia e ele terminou com o que restava da vida dela deu em sua testa a última bala do tambor.
Ser um ex-delegado ajudava, pois foi direto e a queima roupa. A arma sempre estava com a manutenção em ordem, mas sem registro e com o número raspado, enfim, nada que a ligasse ao seu nome. O gatilho e o cão estavam de tal modo arrumados que o barulho dos disparos não seria escutado pelos outros vizinhos.
Toda ação não levou mais que quarenta segundos. Os gritos dela não seriam notados, pois era uma vaca histérica e os vizinho só iam perceber a coisa toda lá pela segunda ou terça-feira quando o cheiro dos cadáveres começasse a incomodar. Largou a arma lá. Sem impressões, fechou a porta não esquecendo de levar a chave, para não deixar dúvidas que a coisa foi premedita por alguém de fora.
Foi um jantar maravilhoso. Vilma mostrou-se ser além de ser uma companhia maravilhosa, uma amante insaciável. Aparentemente poderia voltar a pensar em ter uma mulher em sua vida. Uma namorada mesmo. Seria interessante. Mas na manhã seguinte não poderia deixar de esquecer de comprar um jornal e procurar nos classificados um apartamento novo. De preferência em um prédio onde fosse apenas um apartamento por andar.