terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Cabeça cheia de silêncio

Na caixinha de som tocava uma música antiga do Elton John, Rocket Man tomava o ambiente junto com o perfume do café, que estava terminando de passar na velha cafeteira italiana, no chão, o cachorro castrado teimava em sentir um desejo que deveria ter sido suprimido no dia em que arrancaram suas bolas. Ranço, não do bicho, mas das notícias que lia no celular, acho que era sadomasoquista, pois quanto mais surreal fosse a matéria, fazia questão de ir nos comentários para ler as pessoas destilando ódio. O pão queimou na torradeira. Puta que pariu. Dia normal, virou os olhos, começou. Era dia de trabalho, a escala era ingrata, mas era o que restava da vida. Trabalhava em uma empresa de segurança, regime de 12 por 36. Chegava, dava um bom dia monocromático, igual ao seu uniforme, mal cortado, horrível. Todo uniforme de segurança tem uma vontade de ser fascista ou nazista da SS né? Aquela cor cinza, com vontade de se impor, mas que tira ainda mais a autoridade de quem o usa. Fazia questão de usar uma meia branca, para lembrar da época em que via o porteiro do prédio usando a peça na calça azul de brin ou outro tecido sintético vagabundo. Foi. Foi um dia alguém, foi um dia um profissional respeitado, foi uma voz que era ouvida. Tudo cessou, perdido na bebida, que ele mesmo foi atrás, tudo que restou um belo dia foi virar segurança privado, pois nem carro tinha para ser um uber. Desamor dentro dele, uma vida de solidão. Almoço de marmita de arroz, feijão velho e uma calabresa, que havia comprado um saco de dois kilos, e todo dia tirava duas do freezer para colocar no tupperware falsificado e manchado eternamente de molho de tomate. Trabalhava o dia todo sentado em uma cabine claustrofóbica, escura, que quando chegava de manhã, tinha um asco do cheiro do profissional do turno da noite. Perfume e desodorantes baratos, misturados com cheiro de humano, flatulência que ficava enclausurada na falta de ventilação da cabine, tudo isso na monotonia e com um sono, que sumia na noite e retornava no dia, companheiro, de tudo que não tem mais. Celular era proibido no trabalho. Não deveria ser usado, pois além de distrair, a transportadora não permita. Olhava o monitor, caminhão de carga entrava, caminhão de carga saia. Voltava os olhos para janela, via os funcionários, prestava atenção de forma burocrática, nem queria que ninguém fizesse nada que o obrigasse a intervir. Era zero pretenção em ser herói. Fumava um cigarro durante as folgas do café. Eram os dez minutos em que fazia mais questão. Ouvia os papos, conversas toscas sobre cotidianos toscos.Não interagia e nem era convidado a participar. Certa vez, um antigo funcionário que sentava do lado dele no almoço e pouco falava, chamou para um churrasco de colegas de firma. A gente arrecada dez reais para carne e cerveja e todo mundo se diverte. Pagou, no dia de ir ficou com preguiça de pegar dois ônibus para ir lá em jardim de deus me livre e não foi. Café amargo, um cigarro, uma preguiça de voltar. Ainda faltavam 9 horas de trabalho arrastado. Queria ler um livro, queria ler uma notícia, queria dormir na cama em que não fazia mais quando acordava. Ia chegar e deitar lá. Ficava não poucas vezes sem banho na folga, preguiça, depressão, falta de higiene? Não estava nem aí mais com julgamentos. Perdeu as vontades, sentou na cabine para continuar o trabalho. O trinta e oito na cintura era o que tinha de mais valor na cabine pensou, e foi mais além e refletiu que valia mais que o próprio dono da cintura que o carregava. Tirou, abriu o tambor carregado, girou, uma, duas três vezes, fechou, no lugar de guardar no coldre, colocou o cano na boca, disparou. Acabou tudo. Mas antes do cérebro desligar por completo, ouviu os gritos de quem tentava arrombar a porta aos chutes, ficou tudo preto, as vozes sumiam ao longe. O dia de um homem amargo se encerrava antes do fim do expediente. O último luxo de uma vida sem luxo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Poço Artesiano

Seria necessária muita paciência e coragem para continuar naquela embromação. Mas que coisa isso. Era um casamento ou uma repartição pública, com despachos, normas, regras e relatórios. Simplesmente tinha se cansado da velha companheira. Muito velha diga-se. Não tinha mais desejo nas carnes flácidas e com cor de pano de chão sujo. Olhar para as pernas ainda grossas, mas sem a vida que enxergou há mais de 45 anos naquela tarde na praia. Hoje as pernas chamam mais atenção pelas varizes, que parecem gordas minhocas do que pela beleza que ali não habita mais.

Como se livrar de 45 anos de casamento sem ser um trauma? Era seguro? Iria viver feliz com isso? Sim pois acabaria com a vida de uma pessoa que lhe deu a vida em forma de devoção. Não seria algo fácil. Nunca havia traído ela. Talvez sinceramente seria muito mais fácil se fosse um cachorro sem vergonha destes que saem com qualquer uma e pronto. Infelizmente não era. Era sim temente a deus de uma forma inimaginável para quem faz uma analise deste ponto da mulher amada.

Igreja aos sábados e domingos. Era uma espécie de ajudante do padre. Lia a homilia, ajudava a abrir e fechar a igreja não tinha final de semana que não fosse. Quando viajava finais de ano, ficava com peso na consciência por não estar lá. Como se separar? Como fazer algo depois de jurar amor eterno. Para as picas com o amor eterno. Isso não existe, mais uma verborragia dos amantes e escritores de livros de banca de jornal. A princesa é uma grande massa de carne, que apodrece dia após dia, junto com o amor.

Filhos? Criados, com a vida feita, e apenas seguem um ritual de ir visitar final de semana sim final de semana não e nas datas especiais. E olhe lá. Não ligariam se ele deixasse a mãe com o belo duplex e fosse morar na praia. Aliás, esta seria uma boa opção. Ficaria na praia e eventualmente viria para casa passar alguns dias com ela. Não queria se separar pelo sexo e por uma vida boemia. Nunca teve isso, não sentiu falta da esbornia uma única vez na vida, não seria agora com sessenta e cinco anos que seria isso que o levaria a jogar um casamento na latrina.

Ah saudades ele tem dos dias em que pescava sem compromisso, tomava a sua cerveja sem a mulher perguntar quantas já bebeu, quantas ainda faltam para ele dormir e roncar como um porco. Nunca faltou ao respeito com a mulher, mas mentalmente não deixava de xingá-la. Falando em respeito, não faziam sexo desde que se casaram. Faziam apenas um puro e casto amor. Nada excepcional. Nunca fizeram mais de duas vezes na semana. Raras as vezes treparam em um dia que não fosse um sábado. Talvez nos primeiros seis meses de casados.

Maldita fé, maldito amor ou respeito que ainda o prendiam. Não queria simplesmente separar os corpos. Até por que não faziam sexo há quase dez anos. Como se livrar deste estorvo que chama de mulher? Ele sabe sim. Mas tem medo de pensar nisso. Acha pecado. Mas vai levar adiante isso.

Foi até um subúrbio. Daqueles bem horrorosos mesmo que ele só via no jornal popular das seis da tarde. Depois de aposentado aprendeu a gostar dos jornais mais sem vergonhas. Uma forma de se sentir bem com sua condição de classe-média-média. Lá andou uns tempos, mais precisamente duas semanas até achar uma casa antiga para comprar. Fechou o negócio rápido, colocou a casa em seu nome mesmo, sem grandes traumas apenas não deixou a escritura em casa. E começou a “morar” naquele fim de mundo do extremo leste da cidade como se ali fosse sua casa. Saia da zona sul de manhã cedo, e ia para sua casinha. Deixava o carro no Metrô, e ia de ônibus até aquele fim de mundo e passava o dia lá. Para mulher falava que estava dando consultoria no escritório de um amigo. Sentia-se mal ficando sem trabalhar ela sabia.

Ficou nesta coisa durante quase dois anos. Conheceu aqueles pobres, bebeu com eles nos bares de porta de garagem, contava piadas, vivia uma vida miserável, sem ostentação. Nunca levou ninguém em sua casa. Não aparecia nos finais de semana, mas contava a historia que era viúvo e nos feriados e finais de semana ia visitar uma filha que morava em uma cidade do interior. Enfim inventou e viveu uma vida que seria digna de um romance.

Neste período fez amizade com Paulo. Paulo Lombriga como era conhecido. Um branquelo sem metades dos dentes e com tantas passagens na polícia quanto dentes na boca de uma pessoa normal. Bebiam juntos, sempre pagava uma cerveja, um rabo de galo ou um bombeirinho para o Paulo. Afinal, ele era um aposentado da Viação Cometa, tinha uma aposentadoria medíocre, mas que naquele fim de mundo era algo que mais de dois terços da população não tinha.

Falou para Paulo que queria cavar um poço no quintal, pois não queria pagar água para o governo o resto da vida. Já havia visto outras casas com poço, então sabia que tinha água naquela terra infeliz. Pediu ajuda do bandido que fazia bicos como pedreiro e cavaram um poço de quase 12 metros de profundidade. Mas não acharam água alguma. Nem lençol freático nem nada. Já sabia que não tinha nada ali. Por isso não pediu uma caçamba. Já tinha traçado o plano.

Ia para casa na noite de sexta-feira e chamaria sua esposa para jantar. Era uma desculpa mal arranjada, mas era a melhor que tinham. Tinha mesmo pouco tempo para fazer a coisa. A mulher tinha que ser morta naquela noite. Ele iria de madrugada para seu reino imaginário do subúrbio e lá jogaria o corpo da antiga companheira no buraco do poço. Tinha que ser rápido, pois precisava jogar um pouco de terra em cima antes que Paulo chegasse na manhã do sábado para ajudar a cobrir o poço sem água.

O comparsa Paulo não sabia de nada e ele estava disposto a largar aquela vida mediana que tinha do outro lado da cidade e viver um pouco nesta nova realidade. Gostava de uma cachaça sem grife, mas servida com calor humano. Adorava um torresmo, uma liguiça frita em um óleo sujo com cebola. Tudo sem luxo, mas com gosto de gente normal sem afetações. Estava se desfazendo de um escudo armado ao longo de uma vida de distância do ser humano do subúrbio e vindo para um canto que sua alma desconhecia. Ia se livrar daquele vinculo desagradável que era sua mulher e quem sabe, neste final de vida, ia se redescobrir.

Levou-a para jantar e saiu com ela do restaurante na maior das normalidades. Ensaio tudo. Pegaram uma rua deserta e lá pegou discretamente o 38 frio que estava guardado no porta-treco do lado do motorista e parou o carro com alegação que tinha problemas mecânicos. Fez o carro morrer inúmeras vezes enquanto tomava a decisão de matar aquela que o prendia na classe média.
Até que a mulher sugeriu que ele fosse ver o que acontecia no carro. Ele aceitou prontamente, abriu o capô do carro. Em meio a uma confusão de pensamentos de como seria sua vida de solteiro, uma ponta de medo, remorso e arrependimento queria invadir seu ser. E quando se preparava para sacar o revolver e ir até o lado do passageiro, onde estava a futura ex-companheira foi surpreendido por dois crioulos anunciando o assalto.

Como isso? Quando esboçou a idéia de tentar falar com os dois negros um já havia percebido que estava armado, gritou que era policial e deu-lhe dois tiros na cara. A mulher que em pânico gritava tomou outro tiro na orelha.

Descansam hoje no jazido da família, juntos, enquanto os filhos se desfizeram do apartamento, carro e sitio. Mas depois de seis meses que venderam tudo souberam de uma casa no subúrbio. Conseguiram um bom preço pela casinha, ainda mais que ela tinha um poço artesiano com água pura e cristalina, coisa rara naquele fim de mundo.

domingo, 29 de março de 2009

Cinema Europeu

- Oi eu quero uma inteira e duas meias para Armando Armações das três da tarde. Mecanicamente entrego as entradas, faço o troco. Depois de sete anos nesta profissão você nem nota mais o que faz. Simplesmente entrega os ingressos, aperta o botão e chama o próximo da fila.

Sempre foi assim. As vezes surgiam algumas surpresas igual a loirinha que veio com os primos ou irmãos mais novos ver uma comédia sem graça para adolescentes. Mas era uma breve visão, de não mais de um minuto. Nem me empolgava mais. Detestava usar o uniforme, a camisa com o logotipo do cinema, sentir o cheiro da manteiga na pipoca, que impregnava o ambiente. Era tudo uma mesmice. Não via a hora de dar dez horas e ir embora daquele trabalho.

Hoje era sábado, dia de tomar umas com amigos, chegar no bar e não ter hora para sair. Não importa que no domingo ia entrar as duas horas, não importa que no domingo não tenho tempo de ir no banheiro, não importa que o domingo é o pior dia para quem trabalha em um cinema de shopping.

Vou para Pinheiros, bares de rock, preço justo por uma cerveja, mulheres, sinuca, amigos. Só vou para Pinheiros por que é o meu quintal, literalmente. Pois só assim um cara que tem 35 anos, mora com os pais e trabalha no cinema de um shopping ganhando setecentos Reais pode ir em um bar de Pinheiros sem passar necessidade.

Mas hoje seria diferente. Dois meses sem dar uma trepada. Cara estava ficando difícil pensar em outra coisa que não fosse sexo. Mas hoje mudava. Recebi pagamento na sexta-feira. Pagamento vale transporte e vale refeição, que já foi devidamente vendido e convertido em dinheiro. Nem que eu tivesse que esticar a noite na Augusta, eu não iria amanhecer o domingo sem sexo.

Já eram mais de duas da manhã. Eu não tinha feito nada ainda. Nenhuma mulher tinha sequer me olhado. Ia ser na Augusta que eu ia descontar todo meu estresse. Mas foi aí que eu a conheci. Loira, meio alta, mas parecia uma fada. Será verdade? Será mesmo que ela está afim? Tudo bem, o que vale que já tinha já a esperança de fazer a noite valer a pena.

Conversamos um pouco. Falei que trabalhava com cinema. Ela se interessou, falei que trabalhavam como assistente de direção, de um famoso diretor nacional, aí o papo engrenou, beijo rolou, e na cama ia acabar.

Aí meu amigo que começou o meu drama. A loira meio alta era um loiro meio alto! Não sei o que falar. Estava em um hotel barato e já ia tirar a roupa dela, ou dele, quando me surpreendi com aquilo. – Bom Ágata (como não me liguei que com este nome só poderia ser um traveco?), eu acho que eu estava bêbado...Ai a loira virou loiro mesmo. –Ta pensando que vai fazer isso comigo seu moleque?

- Não... O não saiu extremamente tremido. Balbuciado de uma forma medrosa, mas com uma indisfarçável excitação também. – O que vai fazer então seu filho da puta? A loira era agora um amalgama de anjo com voz de demônio que despertava medo. Medo do dono voz, mas o medo era logo esquecido pela excitação daqueles seios perfeitos, daquela cintura que só vi nas putas mais caras da minha vida. O problema era o pau. Pau não, um cacete gigantesco.

- Olha, eu nunca tive uma experiência com um homem. Eu disse com medo da reação. A voz de capeta dele simplesmente foi suprimida. – Não amor, eu não sou um homem. Esquece que tenho isso aqui no meio das pernas. E já veio me beijando. E aquela foi a melhor trepada da minha vida.

Mas não acaba aí. Me apaixonei por Ágata. E agora? Ela também correspondeu. E falava que queria ser atriz, fazer filmes e por ai vai. Eu falei que estava de saco cheio de minha produtora (nunca tive coragem de dizer que era bilheteiro de cinema) que iria sair daquele emprego.

Pedi para o cinema me mandar embora. Peguei a indenização e o fundo de garantia de sete anos de serviço. Comprei uma passagem para Amsterdã na Holanda e me mandei com Ágata para lá. Aluguei um apartamento de três quartos no bairro de Rembrandtweg. Em um deles montei uma ilha de edição e me transformei em diretor de filmes pornôs.

A minha estrela? Ela se chama Ágata, mas que também atende agora por Larissa Skywalker. Fazemos três filmes por mês, levamos dois dias para filmar cada um. Vendemos estes filmes a uma produtora local por quinze mil Euros cada e somos dois brasileiros ganhando muito dinheiro na Europa. Em breve volto para o Brasil e quero comprar uma franquia de cinema em algum shopping.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Aniversário

Novamente um aniversário. Faz anos, que não vejo graça em fazer um aniversário. Acordei, fui para a sala e liguei a TV e vi a loira falando das coisas boas da vida. –Meto-lhe a pica nesta coroa, disse Marcelo. Ele era um crioulo de quase dois metros, mais de cem quilos, seria muito se tivesse cinco dentes na boca, mas que se achava bonito. Passou mais da metade da vida puxando etapas em presídios e na Febem.

Com sua boca mole ele me falou que estava precisando de dinheiro. Me irritava isso, não o fato dele precisar de dinheiro, mas sim a boca mole de banguela que ele tinha. Puta que pariu, já roubou a porra de um banco e nunca conseguiu arrumar um troco para botar estes dentes na boca? – O Paulinho Vietnã está com uns ferros malocados na casa da Jacira. Vou pegar e vamos fazer um corre? – Porra Marcelo, hoje é meu aniversário, quero ficar de boa em casa e encher a cara.

Mas até que não seria ruim arrumar um troco. –E aí? Vamos fazer o que? Sair sem destino e pegar alguém no caixa eletrônico? –Porra nenhuma, vamos lá para o Alto de Pinheiros, tem sempre alguma coisa lá para aqueles lados, é só meter os peitos e ir para cima. –Tá chapado velho? Não tenho peito de aço, vou me enfiar naquelas ruas com segurança e o cacete? Tô fora!

- Que isso velho, tenho o esquema, conheço uma casa, tem um segurança do lado de fora, mas que é truta meu. Dentro mora um doutor e a mulher dele. Tem uma empregada pelo que eu sei e só. – Sei, e aí? –E aí irmão? Vamos lá hoje, esperamos o velho entrar, e “pum”, ta feito.

Fizemos. Fomos para a casa do casal e esperamos como o Marcelo havia falado. O segurança forjou que tinha sido rendido, entramos na casa e lá que a coisa toda começou a dar merda. O casal de velhos não tinha nem aparelho de DVD. Televisão velha, sem computador, sem Dólares, Euros ou mesmo Reais. Tinha porra nenhuma naquele museu.

Aí o Marcelo endoidou. Sem dinheiro sem porra nenhuma mano o cara ficou pilhado. Eu estava com o 38 e ele com a 12 de cano cerrado. Já estava agitando para sair daquela merda de casa por que ele ia foder tudo. Mas não deu tempo. O Marcelo virou e falou que tinha visto no Máquina Mortífera um cara grudar um ladrão na parede com tiro de 12.

Vamos mano, vambóra que daqui a pouco ta cheio de PM aqui. Vamos velho. – Calma Truta. Não quero perder a viagem não. Ô tia fica ali perto da parede que eu quero ver uma coisa. Na hora a velha começou a se mijar toda. O velho foi argumentar com o crioulo quando tomou uma coronhada de 12 na boca que fez ele cuspir meia dúzia de dentes. Pelo menos nisso o crioulo e o doutor eram iguais agora. Tinham o mesmo número de dentes na boca.

A velha ficou encostada na parede rezando quando o Marcelo deu o tiro. O corpo bateu na parede e veio para frente. Tinha sangue e tripa por todo lado. O velho gritava qualquer coisa, mas não dava para entender porra nenhuma por que ele mal conseguia falar. Abria a boca e cuspia sangue.

O Marcelo virou para mim, e rindo aquele riso desdentado dele falou. – Televisão é uma mentira mano. O corpo não gruda na parede porra nenhuma. Não sei por que resolvi participar daquela doidera. – Ô velho, a tiazinha tava muito perto mano, pega o marido dela e manda ele ficar um pouco mais longe da parede que ele gruda nela.

Nisso a empregada e o segurança já tinham sumido. Estavam era com medo com certeza. E nos vacilamos que não vimos os dois. E algum vizinho que deve ter escutado o esporro do tiro da 12 já tinha chamado a polícia.

O velho ficou a uns dois metros da parede, chorava que nem uma mulher pedia para morrer foi quando o Marcelo falou: - Fica tranqüilo ô tio, você vai morrer mesmo. E deu o tiro. – Caralho mano grudou! O filho da puta grudou na parede velho! Dizia o Marcelo numa alegria que parecia criança. Nisso eu só escutei um tiro e senti minha cara molhada dos negócios da cabeça o Marcelo. A polícia entrou e entrou atirando mano.

Mas tirando que eu vou puxar 15 anos o meu aniversário foi bacana. Toda semana a empregada dos velhos vem me visitar. Ela é bem ajeitada, e se eu continuar com bom comportamento daqui a um tempo vou ganhar direito a ter visita íntima.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Vilma

O jantar estava quase pronto. Já tinha tempo que ele não recebia ninguém em sua casa. Aliás, já havia tempo que não aparecia ninguém em sua vida. Separado há mais 10 anos, tivera relações esporádicas com mulheres algumas que mal se lembrava o nome. Agora não com Vilma seria diferente.

Conheceu ela por um acaso, na fila do supermercado. Assim como ele, Vilma era uma mulher de meia idade. Mas bem conservada. Graças a ginástica e uma alimentação como ela mesmo dizia, bem regrada, não aparentava os quarenta anos que tantas mulheres fogem.

Já havia reparado nela nos congelados. Morena, alta, de calça legging e camiseta de banda de rock dos anos 70. Mesmo vestida de maneira displicente, como era conveniente em um supermercado, Vilma chamava mais a atenção que tantas outras mulheres naquela tarde de terça-feira.

Houve uma rápida troca de olhares. Mas ele não levou em consideração. Desde o divorcio não tinha mais interesse no flerte, paquera, azaração. Graças a deus o fim do casamento foi amigável. Não ficaram filhos, pois crianças eram algo desprezível na sua concepção. Via os problemas e tormentos que os sobrinhos, filhos de vizinhos e amigos traziam para a vida destes. Não queria responsabilidade.

Não procurava nem mesmo mulheres. Resolvia-se com trepadas eventuais com amigas, e prostitutas, que eram mesmo convenientes a forma mais fácil de resolver um problema biológico. Sexo era somente sexo. Não sentia até aquele momento a falta de carinho, dormir junto, dividir o banheiro, a cumplicidade das contas do mês nem a aporrinhação de decidir onde ir almoçar no domingo. As prostituas eram simplesmente uma prestação de serviço. Pagava, trepava, abria a porta e tchau.

Era uma vida enfim, perfeita. Sonho de macho da meia idade. Mas tinha que ir ao mercado naquela terça? Quando ela em uma conversa na fila do caixa falou o nome ele pensou que devia ser mais uma empregada doméstica. Vilma? Pensou que não dava para ser um nome de alguém estabelecido na vida.

Descobriu naqueles cinco minutos iniciais de conversa que era na verdade uma professora de história do colégio São Luiz na avenida Paulista. Começou a gostar do papo. Nem se incomodou com a aposentada que demorava na frente dos dois que ao passar os produtos no caixa ainda conversava com a menina. Também não ligou quando na vez do estudante a caixa teve que trocar o rolo de papel da máquina.

Vilma sabia ser agradável, tinha um perfume suave, mas não destes de loja, era um cheiro natural, de mulher mesmo, sem nada artificial. Ela passou suas compras, trocaram mais algumas palavras, e ele tomou coragem e finalmente trocou o telefone.

Passou a terça-feira, na quarta pouco antes de sair para assistir ao jogo de futebol em um bar com os amigos, resolveu ligar para Vilma. Primeiro toque, segundo toque, começou um barulho na casa do vizinho. Cachorro latindo, as crianças gritando e uma discussão entre o casal. Seria um aviso para não ligar? Uma breve visão condensada do que é a vida em família? Xingou um palavrão como forma de exorcizar aquela situação pegou o telefone e foi para o quarto onde a música da vida familiar não o atingiam.

Falou com a bela Vilma por meros dez minutos, mas marcaram de jantar juntos na quinta-feira. Gostou do papo com ela. Mas o principal gostou dela. Não era uma destas mulheres carentes que parecem ficar no pé ou desesperadas para sair. Ela não se lembrava nem do seu nome quando ele se apresentou no telefone.

No restaurante conversaram animadamente sobre cotidianidades, carreiras, casamentos desfeitos, vida enfim. Beijaram-se. Somente no carro ainda assim por que ele procurou, pois ela, não deu nenhuma abertura para tal. E por aí parou. Pediu para deixar em casa, pois tinha aula na manhã seguinte e nem havia preparado o material ainda. Mas marcaram de assistir um filme e comer um carneiro em sua casa no sábado a noite.

Comprou todos os ingredientes na sexta, marinou o carneiro, e no sábado no final da tarde botou para assar os carrês do animal. Por volta das sete horas fez a barba, tomou um banho, antes havia arrumado a casa para dar uma boa impressão. Já estava pronto quando a cena da quarta-feira começou a se repetir no vizinho. Aquilo iria estragar todo um clima. Não queria passar a impressão que morava em cortiço. Pois não era. O apartamento de classe média era confortável, mas tinha um defeito grande. Vazava muitos sons.

Ficou irritado, pois aquilo parece que seria uma daquelas longas brigas. Pegou o 38 e enfiou na cintura por debaixo da camisa. Colocou as duas luvas cirúrgicas e um agasalho de manga longa. Bateu na porta e quando o pai abriu enfiou a arma na cabeça e atirou. Fez o mesmo na mãe e nos dois filho. Ficou com pena do cachorro, mas meteu uma bala nele. A mãe ainda se mexia e ele terminou com o que restava da vida dela deu em sua testa a última bala do tambor.

Ser um ex-delegado ajudava, pois foi direto e a queima roupa. A arma sempre estava com a manutenção em ordem, mas sem registro e com o número raspado, enfim, nada que a ligasse ao seu nome. O gatilho e o cão estavam de tal modo arrumados que o barulho dos disparos não seria escutado pelos outros vizinhos.

Toda ação não levou mais que quarenta segundos. Os gritos dela não seriam notados, pois era uma vaca histérica e os vizinho só iam perceber a coisa toda lá pela segunda ou terça-feira quando o cheiro dos cadáveres começasse a incomodar. Largou a arma lá. Sem impressões, fechou a porta não esquecendo de levar a chave, para não deixar dúvidas que a coisa foi premedita por alguém de fora.

Foi um jantar maravilhoso. Vilma mostrou-se ser além de ser uma companhia maravilhosa, uma amante insaciável. Aparentemente poderia voltar a pensar em ter uma mulher em sua vida. Uma namorada mesmo. Seria interessante. Mas na manhã seguinte não poderia deixar de esquecer de comprar um jornal e procurar nos classificados um apartamento novo. De preferência em um prédio onde fosse apenas um apartamento por andar.